Estes Mundiais de Innsbruck foram dos mais duros da história, e o espetáculo estava garantido, existia a aura que vários ciclistas tinham aqui uma chance única de serem campeões do Mundo, já que nem todos se adaptam a este tipo de traçado e que este traçado muito raramente aparece em Mundiais.




Curioso foi ver como a prova mudou com a “Subida de Inferno”, a última ascensão do dia, comparativamente com as restantes. A corrida foi bem mais controlada que o esperado por causa disso, todos com medo do motor rebentar nas duras pendentes. Por isso mesmo, foi uma corrida de eliminação. Mas foi uma corrida de eliminação também pela forte fuga que se formou e pela vantagem concedida, que obrigou a um duro ritmo constante nos últimos 160 quilómetros.

Nenhuma equipa abriu realmente a corrida e arriscou tudo, seria de esperar isso da Itália e da Bélgica, mas os italianos nunca tiveram a companhia certa e depois recorreram para o plano B (Moscon) e a Bélgica mal se viu, graças ao percurso duro demais para os seus puncheurs. A Áustria quis-se mostrar e trabalhou mesmo tendo a noção que em princípio não iria retirar dividendos, a França foi a equipa com o melhor plano e um plano bem definido, com o seu grande líder a falhar na Hora H, e a Eslovénia viu a sua grande esperança afectada por uma queda que lhe retirou energias preciosas.

No meio disto tudo, foi a Espanha que sorriu no final, e sorriu melhor. A estratégia globalmente foi boa, Jesus Herrada e Omar Fraile seguiram alguns movimentos perigosas condenando-as porque não trabalhavam, e vendo o caso bem parado, David de la Cruz e Jonathan Castroviejo deram tudo para Valverde, que deu boas indicações. Porque não pegou na corrida mais cedo? Muito provavelmente porque havia a incógnita que mencionámos na antevisão, como estariam as pernas dos ciclistas que fizeram a Vuelta a todo o gás?




Essa incógnita era perfeitamente legítima, e os resultados mostraram isso mesmo, Rigoberto Uran, Miguel Angel Lopez, Enric Mas e Simon Yates falharam, houve 2 excepções, Alejandro Valverde e Thibaut Pinot, que foi 9º. Daqueles que fizeram a Vuelta a todo o gás, estes foram os únicos no top 10. O pódio foi completamente ocupado por ciclistas essencialmente de clássicas (apesar de Bardet também ser voltista, confirmou aqui a sua panache), tanto Woods como Bardet fizeram pódio este ano na Liege-Bastogne-Liege e Valverde tem o seu longo historial nas clássicas das Ardenas.

Tom Dumoulin ficou às portas das medalhas, o que é ainda mais impressionante depois da desilusão que ele próprio mostrou após o contra-relógio, dizendo que não teve pernas para trás. Aquela recuperação é de alguém que conhece como ninguém o seu próprio corpo e os seus limites. A Holanda foi uma das selecções em destaque, nas últimas passagens por Igls aumentou o ritmo por diversas vezes, em especial Steven Kruijswijk e Sam Oomen, o plano seria desgastar ao máximo corredores mais explosivos como aqueles que ficaram no pódio, em benefício do grande motor de Tom Dumoulin.




Alejandro Valverde é um dos ciclistas mais consensuais do pelotão internacional, idolatrado e admirado por muitos. Realizou aqui uma exibição de sonho e já se especula se a sua última temporada no pelotão internacional será vestido com o arco-iris. É um fenómeno de popularidade também pela longevidade, um campeão do Mundo mais velho que ele, só mesmo Joop Zoetemelk, em 1985. Valverde voa sobre gerações, correu com Lance Armstrong, Cadel Evans, Andy Schleck, Alberto Contador, e agora com Nairo Quintana e Enric Mas e parece estar cada vez mais forte com a idade, hoje nunca pareceu em dificuldades e fez um sprint final muito seguro de si mesmo e da vitória.

O mundo do ciclismo, especialmente aqueles que acompanham a modalidade mais de perto, dividiu-se. Entre a alegria genuína de ver um veterano que tanto tem ganho e tanto tem sofrido (ainda há pouco mais de 1 ano fracturou a perna na violenta queda do Tour) basicamente completar o seu palmarés, e a consternação de não ver um nome novo no lugar mais alto do pódio, alguém da nova geração, alavancados pelo facto de no início da carreira Valverde estar ligado à Operacion Puerto e de ter tido uma segunda oportunidade que muitos não recebem ou receberam.

Deixamos ainda uma nota final para uma prestação muito positiva da selecção nacional, em especial referindo a corrida de Rui Costa. Rui Costa sabia que tinha de antecipar os grandes candidatos, que estavam à espera da subida do Inferno. Mexeu-se quando tinha de mexer, esteve sempre atento e bem colocado e até foi daqueles que mostrou melhores pernas durante todo o dia. Arriscou tudo, tentou ganhar um avanço antes da última ascensão, se calhar até podia ser 6º ou 7º caso se tivesse poupado, mas decidiu fazer um jogo audaz de tudo ou nada, o que é de louvar. Notou-se que Rui Costa sentiu que o movimento de Michael Valgren era muito importante e era o ciclista a seguir. O ciclista português não teve a temporada que desejava, foi afectado por lesões, mas chegou aqui relativamente fresco fisicamente e psicologicamente e cheio de vontade de mostrar o que vale.




Muitos dos fãs portugueses que acompanham a modalidade por vezes não estão totalmente conscientes da “sorte” que têm. Portugal tem de há uns anos a esta parte uma espécie de geração de ouro. Rui Costa e Nelson Oliveira colocam há vários anos o nosso país constantemente nos 10 primeiros do Campeonato do Mundo, algo que é muito especial e que muitas vezes é desprezado e esquecido pela recente falta de vitórias. Os nossos sub-23 realizaram uma grande época e acusaram aqui o desgaste de uma longa temporada, enquanto que nos juniores Guilherme Mota foi 16º na duríssima prova de fundo, ele que é campeão nacional de contra-relógio, dando mais uma vez excelentes indicações para o futuro. Pena que o ciclismo feminino não tenha tido representação nacional.



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